Terra das Mulheres, de Charlotte Perkins Gilman

Charlotte Perkins Gilman foi uma escritora americana que viveu de 1860 a 1935. Minha primeira experiência com a autora foi com a leitura do conto O papel de parede amarelo, nele conhecemos a história de uma mulher que, por estar fragilizada e melancólica, acaba sendo internada pelo próprio marido em uma casa afastada e dorme em um quarto revestido por um obscuro e assustador papel de parede amarelo. Conto incrível que nos apresenta um relato pungente sobre o processo de enlouquecimento de uma mulher devido à maneira infantilizada e machista com que era tratada pela família e pela sociedade.

Como tive uma primeira experiência incrível com a autora fiquei curiosa para conhecer suas outras obras, mas apesar de compreender a importância da publicação do Terra das Mulheres e admirar a coragem e visão da autora por publicá-lo quando publicou e tratando dos temas que tratou, não gostei tanto da leitura, pois alguns pontos me incomodaram e outros não me convenceram.

Em Terra das Mulheres conhecemos um país que — como o título nos dá a entender — é habitado apenas por mulheres. No entanto, toda a história nos é contada sob a perspectiva de um homem. Três exploradores tomam conhecimento dessa sociedade onde homens, aparentemente, não existem e organizam uma expedição com o intuito de encontrar e desbravar essa Terra — Van, o narrador; Jeff; e Terry.

Antes de chegarem a esse país e conhecerem essas mulheres e sua forma de viver, esses três exploradores alimentam ideias extremamente machistas a respeito delas. E é triste e chocante perceber que muitas dessas ideias em relação as mulheres permanecem as mesmas até hoje. Segundo os três, uma terra habitada apenas por mulheres, seria caótica, selvagem, subdesenvolvida e inviável.

- Elas brigariam entre si – insistiu Terry. – Sempre brigam. Não vamos encontrar espécie alguma de ordem ou organização. (…) – Não senhor… elas vão brigar – concordou Terry. – E também não devemos esperar invenções e progresso; será terrivelmente primitivo.

Meu problema com essa leitura foi que, a meu ver, ao tentar criticar alguns pontos a autora acabou reforçando certos estereótipos de gênero. Como por exemplo a questão de 'ser feminina' (usar cabelo longo, gostar de certos estilos de roupas). Na obra a autora dá a entender que nenhuma mulher gostaria realmente de ser assim, só o são porque os homens gostam e admiram tal característica. Outro ponto, é a questão do sexo. A autora coloca como se não fosse algo natural para a mulher sentir atração sexual; e que a relação sexual só acontece porque os homens sentem essa vontade e necessidade. E também o fato de colocar como algo intrínseco à mulher essa natureza sempre calma, serena, pacífica. Na sociedade que habitam não existem doenças ou criminalidade. As mulheres dessa Terra conseguiram solucionar todo e qualquer obstáculo possível que enfrentamos na vida em sociedade. E, a meu ver, isso reforça esse peso opressor e irreal de esperar sempre perfeição das mulheres, como se não nos fosse permitido falhar.

Os anos de pioneirismo estavam distantes. Naquela civilização, as dificuldades iniciais já tinham, havia muito, sido superadas. A paz imperturbável, a abundância incomensurável, a saúde constante, a boa vontade comum e administração ordeira, que cuidava de tudo: não havia nada mais a superar. Eram como uma família agradável morando numa velha e bem organizada propriedade campestre.

Até o momento pode parecer, mas essa leitura não foi de todo negativa pra mim. Outros aspectos dessa sociedade criada pela autora foram muito interessantes e não perpetuaram essas problemáticas de gênero, como por exemplo, a forma como essas mulheres enxergam a religião, a criação dos filhos e o trabalho. Além da questão do estupro marital, discussão ainda atual.

Precisamos ter em mente um fato importante acerca dessa leitura: esse livro foi publicado pela primeira vez em 1915; e é o tipo de leitura em que precisamos nos transportar para a época em que foi escrito e publicado para entendermos melhor a mensagem que ele quis passar. Pois lendo agora, em 2018 — mais de cem anos depois —, muitas ideias soam machistas, mas se nos transportarmos para 1915 ele foi, com certeza, um livro bastante inovador e corajoso.

Esse livro conta com um prefácio bastante interessante (e necessário, eu diria) escrito pela Renata Corrêa. Geralmente leio prefácios — ou quaisquer outros textos sobre a obra — depois de concluir a leitura; e foi o que fiz com esse livro. A autora do prefácio toca em todos os pontos que me foram sensíveis durante a leitura e reforça a importância de entendermos as limitações dos pensamentos da época o contexto temporal em que o livro foi escrito e publicado. E aponta como escrever histórias utópicas ou distópicas é um trabalho desafiador, pois "não existe horror absoluto, assim como não existe paraíso absoluto que satisfaça a todos".

O que Gilman nos apresenta nesse livro como uma sociedade perfeita é uma ideia distante do que seria o ideal para nós hoje, pois, felizmente, mudamos. Mudamos de ideia, mudamos nossas prioridades, mudamos o nosso olhar sobre diversas questões. Espantoso seria se essa obra permanecesse atual em sua completude; que bom que nos é nítido nossa mudança de pensamento. Terra das mulheres é uma leitura interessante na medida em que nos permite pensar e perceber as diferenças do que a luta das mulheres buscava há alguns anos e o que ela busca hoje.


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Um comentário:

  1. Eu gostei de Papel de parede amarelo. Apesar de ser um conto super curto, passei dias pensando nele, morrendo de medo, pra falar a verdade. rs
    Pelos pontos negativos que você falou, provavelmente me sentiria incomodada também, mas acho que vale a pena pelo menos tentar a leitura, né? Em breve vou dar uma chance.

    Beijoka, Amanda!
    Jana.

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