Uma Estranha no Cemitério, por Douglas Santos

As folhas secas crepitavam no chão a cada passo que os irmãos Pedro e Ígnia davam. Caminhavam unidos pelo cemitério, temerosos do que poderiam encontrar. Era a última  sexta-feira do mês de Abril e fazia dois anos que o irmão mais velho deles, Mariano, havia suicidado.


– Eu odeio essa ideia louca dos nossos pais, Ígnia. Por que a gente tem que trazer flores para o túmulo do Binho? Ele odiava flores. Disse Pedro. – Ofegante. 

– Porque dois anos atrás o Binho estava dentro do quarto atirando na cabeça espalhando seus miolos por aí. 

– Não precisa me lembrar disso. 

– Desculpa, mas eu odeio este lugar tanto quanto você. Já está escurecendo e esse vento gelado me faz sentir fria e morta como tudo aqui. 

– Pelo amor de Deus, controle as suas palavras - rebateu o irmão. 

– Me deixa, Pedro. Droga, eu não consigo me lembrar onde o Binho está. – Lamentou Ígnia.  

– Nem eu, mas vamos logo com isso. Quero ir embora.


O dia já tinha um tom róseo laranjado quando os irmãos gêmeos encontraram o túmulo do irmão mais velho. Ígnia colocou o vaso de rosas brancas e vermelhas em cima da  lápide enquanto Pedro mantinha a cabeça baixa num soluço sufocado. 

– Isso ainda é muito difícil pra mim. 

– Eu sei, Pê. Pra mim também é. Só vou tirar a sujeira do túmulo do Binho e nós já vamos. 

Para ir embora o mais rápido possível, Pedro começou a ajudar a irmã tirar todas as flores murchas e folhas secas que cobriam o novo lar do irmão morto.  Foi neste momento que seus corações pararam, suas pernas perderam o jogo e o ar se foi, para ambos. 

– Pedro, Ígnia. Vocês precisam sair daqui!

 Os irmãos continuaram paralisados sem acreditar que estavam ouvindo a voz do irmão que já se fora. Um galho se desprende de uma árvore e cai no chão fazendo um barulho  mais alto que o comum. Ígnia com muito esforço encontra o ar novamente e grita: 

– Tem alguém aí? 

– Ig, vamos embora, por favor. – Implorou o irmão com a voz embargada de choro e medo. – Não quero ficar nem mais um segundo neste lugar. 

– Você também ouviu? - Perguntou Ígnia. 

– Foi tão real como se ele estivesse aqui conosco. 

– Mas ele não está. 

– Eu sei, por isso mesmo que eu quero ir embora. 

– Nós já vamos. 

Quando se viraram para irem embora se deram conta de que já era mais noite do que dia e tudo ali parecia mais assustador. As árvores, o vento gelado, as imagens dos santos e até mesmo as flores que minutos antes estavam vivas e bonitas agora estavam completamente murchas e secas. Ao se aproximarem do portão da saída um grito ensurdecedor de uma mulher seguido de um choro de criança os paralisaram, novamente. 

– O que foi isso? – Perguntou Ígnia. 

– Eu não sei e nem quero saber. – Respondeu Pedro que já se sentia mais aliviado próximo da saída do cemitério. - Nós estamos ouvindo coisas.

Por um momento Ígnia pensou em seguir o irmão e se mandar logo daquele lugar, mas o grito da mulher veio novamente e o choro do bebê parecia muito mais intenso.

– Não podemos deixá-los aqui Pedro, precisamos encontrá-los. 

– Você tem razão. Aqui pode ser perigoso, mas vamos logo porque eu já estou ficando aflito. 

Quando deram o primeiro passo cemitério adentro foram surpreendidos mais uma vez: 

– NÃO! – Era o grito do irmão mais velho que estava vindo de algum lugar que eles não sabiam de onde era. 

– Eu não sei o que estamos fazendo. - Disse Pedro que agora chorava compulsivamente. 

– Nem eu, Pê. Mas precisamos encontrar essa mulher e o bebê.

E assim mergulharam na escuridão do cemitério com pouca coragem e muito medo. Todos da cidade conheciam Pedro e Ígnia por serem os gêmeos super unidos. Era quase impossível ver um sem o outro. Eram mais do que irmãos, eram gêmeos de alma também. Como se fossem um só. Quando o irmão mais velho se matou eles tinham treze anos e suas vidas mudaram completamente. Ígnia ainda conseguiu lidar melhor com a situação, com sua força e sabedoria precoce ela foi suporte para o irmão e para os pais. A mãe enlouqueceu após o acontecido e o pai passou a chegar em casa cada dia mais acabado e bêbado. Eles estavam esgotados. A morte chegou naquele lar levando um e sugando a vida de todos. 

– Por aqui, acho que ouvi alguma coisa. – Disse Ígnia e Pedro a acompanhou. 

– Não ouvi nada.

– Silêncio. – Sussurrou a irmã. 

E novamente o grito desesperado da mulher veio do meio da escuridão, mas agora parecia mais próximo deles. 

– Eu não estou gostando nada disso, Ig. 

– Anda Pedro, por aqui. 

E caminharam por entre os túmulos por mais alguns minutos. 

– Pedro, eu entendo o seu medo, mas pode fazer o favor de parar de me apertar com essa mão gelada? 

– Ig, eu não estou nem encostando em você. – Respondeu o irmão sem ar. 

Ignía se manteve em silêncio, perplexa. O pavor que crescia dentro de si comia seu interior feito larvas famintas. 

– Por favor, me ajudem. – Disse uma voz fina que vinha atrás deles. 

Quando se viraram encontraram uma menina loira que aparentava ser ainda mais nova do que eles usando um vestido branco todo sujo de sangue. 

– Quem é você? – Perguntou Pedro. 

– Me acompanhem. – Disse a garota estranha. 

Os dois irmãos se entreolharam e concordaram em seguir aquela estranha que parecia precisar de ajuda. Para o espanto dos dois a garota havia levado eles até um túmulo, aberto. 

– Mas, mas, o que é isso? – Perguntou Pedro que odiava cada segundo dentro do cemitério. 

– Eu preciso que vocês me ajudem. 

– E como podemos fazer isso? – Perguntou Ígnia, já ficando impaciente. 

A estranha entrou dentro do túmulo e quando saiu de lá carregava dois bebês enrolados em uma manta marrom antiga. 

– Eu preciso que vocês tirem minhas filhas daqui. 

– Mas para onde vamos levá-las? – Perguntou Ígnia. 

– Por favor, não façam mais perguntas. Vocês podem fazer isso? Aqui é muito perigoso para elas. 

– Mas e você? O que vai ficar fazendo aqui? – Perguntou Pedro. 

– Eu preciso terminar de resolver algumas coisas. Mas agora, por favor, Ígnia, você fica com a Esperança e Pedro, você fica com a Vida. 

E cada um dos irmãos seguraram uma criança e quando Ígnia levantou a cabeça para perguntar como é que ela sabia o nome deles a estranha já havia desaparecido. Com os corações acelerados e carregando os bebês Ígnia e Pedro caminharam até a saída do cemitério. Ao se aproximarem do poste de luz Ígnia teve a curiosidade de ver o rostinho da bebê que carregava. Foi quando o choque veio. 

– Pê, a esperança está morta. – Disse. 

– Ig, a vida se foi também.

E desesperados se puseram a gritar. Foi quando as sombras vieram e engoliram os quatro. Pedro, Ígnia, Esperança e Vida. Mergulharam na escuridão e nunca mais saíram de lá.


Texto de autoria do colunista Douglas Santos.

3 comentários:

  1. "Num acho não"
    Douglas Santos nome forte, espírito forte, você sempre nos surpreendendo com sua inteligência cultural, humor instantâneo nessa nossas vidas corriqueiras, parabéns amigo você já sabe do seu potencial e as coisas vão acontecendo naturalmente continue assim sempre .
    Abraços!!!

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  2. Parabéns,menino talentoso muito sucesso sempre

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