Confissões de uma máscara, de Yukio Mishima

Confissões de uma máscara, de Yukio Mishima, foi escrito na década de 40 e se tornou um clássico da literatura japonesa. Este foi o meu primeiro contato com esta literatura e já adianto que foi uma leitura que me marcou muito. Amei. Porém, um amor cortado. Doído. Sangrento. Meu impacto maior foi quando pesquisei sobre a vida do autor para escrever aqui. Mishima escreveu este livro quando ainda tinha 22 anos de idade e ele é repleto de recortes autobiográficos. O autor cometeu suicídio antes de completar cinquenta anos. Usou uma espada contra si mesmo. Rasgando suas vísceras. Assim como os samurais durante o haraquiri (ritual japonês de suicídio). 

Logo no início do livro, acompanhamos o desenvolvimento do personagem principal, desde a sua infância até a vida adulta. Não definiria como um romance de formação, mas chega perto disso. A história se passa em uma época conflituosa, durante o período de entre guerras e a Segunda Guerra Mundial. Num paralelo coincidente, havia um conflito dentro do nosso triste protagonista. Desde os primeiros anos escolares, o personagem começa a  perceber a completa falta de atração pelo sexo feminino e a exacerbada atração pelo sexo semelhante. Considerando a época em que o livro foi escrito já é possível imaginar a dura batalha deste personagem para construir máscaras que o forjassem a passar uma imagem que escondia sua verdadeira natureza.

E a partir de então passamos a acompanhar uma série de fatos decorrentes dessa luta interna que colocava o personagem em uma vida de angústia, medo, desespero e  tristeza. É certo que os pensamentos de desejo de morte começassem a se instalar e fazer morada ali. É interessante perceber como um gay do século XXI (eu) pode ter tanto em comum com um homem gay da década de 40, de uma cultura totalmente diferente em tantos aspectos. Cheguei a achar assustadora a forma como ele descrevia alguns pensamentos que eram exatamente os mesmos pensamentos que eu tive durante o meu processo de descoberta e aceitação. Certo dia eu ouvi alguém dizendo que somos mais parecidos do que pensamos, que temos mais em comum do que possamos imaginar, e isso é muito verdade. Lendo o livro eu percebi que nossas semelhanças transcendem gerações, séculos, oceanos, raças e mais. 

Durante a leitura acompanhamos o protagonista se envolvendo com algumas mulheres e é tão aflitivo seus pensamentos quanto à isso. O desespero que ele sente. A sua  busca por uma vida que o fizesse ter um lugar decente na sociedade em que ele se encontra inserido o faz se obrigar a se enganar. E é compreensível o alívio que ele sente sempre que uma dessas relações fracassam. 

Título: Confissões de uma máscara
Autor: Yukio Mishima
Tradução: Jaqueline Nabeta
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 199

Este livro é um livro curto e de escrita fácil. O difícil é engolir o sofrimento ali presente. Li metade dele em uma sentada. O efeito colateral, porém, foi complexo  e precisei parar uns dias para depois retomar a leitura. Até onde a identificação com um personagem em uma leitura é saudável? Quanto custa continuar lendo algo que  penetra seus traumas e te faz reviver tudo que você passou em dias tão sombrios.

Quando digo que houve uma identificação imediata com este personagem eu entendo que  isso é algo problemático. Hoje eu tenho consciência pelo que passei, depois de anos de terapia e vivências eu consigo me libertar de amarras que me levariam para o fundo do poço. Penso, no entanto, em pessoas que ainda estão presas nos conflitos mencionados lendo algo que não traz conforto, porque esta leitura não traz. Ela não tem um final feliz (e isso não é spoiler, é o desabafo de um homossexual na década de 40, é óbvio). No final do livro a gente não se sente abraçado, por outro lado, a gente tem vontade de  abraçar. A gente tem vontade de dar colo. 

Recomendo este livro para todos que se encontrem em condições de ler sobre. É interessante que essa leitura é muito importante para as pessoas LGBTQIAPN+ e também  para pessoas que não fazem parte da comunidade. Ele é capaz de introduzir em muitas pessoas a compreensão do que é passar pela descoberta de não ser um padrão em uma sociedade que ainda tem muito que evoluir. E eu prefiro acreditar que estamos progredindo. 

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