Precisamos falar sobre o Kevin - Lionel Shriver


Sinopse


Lionel Shriver realiza uma espécie de genealogia do assassínio ao criar na ficção uma chacina similar a tantas provocadas por jovens em escolas americanas. Aos 15 anos, o personagem Kevin mata 11 pessoas, entre colegas no colégio e familiares. Enquanto ele cumpre pena, a mãe Eva amarga a monstruosidade do filho. Entre culpa e solidão, ela apenas sobrevive. A vida normal se esvai no escândalo, no pagamento dos advogados, nos olhares sociais tortos. Transposto o primeiro estágio da perplexidade, um ano e oito meses depois, ela dá início a uma correspondência com o marido, único interlocutor capaz de entender a tragédia, apesar de ausente. Cada carta é uma ode e uma desconstrução do amor. Não sobra uma só emoção inaudita no relato da mulher de ascendência armênia, até então uma bem-sucedida autora de guias de viagem. Cada interstício do histórico familiar é flagrado: o casal se apaixona; ele quer filhos, ela não. Kevin é um menino entediado e cruel empenhado em aterrorizar babás e vizinhos. Eva tenta cumprir mecanicamente os ritos maternos, até que nasce uma filha realmente querida. A essa altura, as relações familiares já estão viciadas. Contudo, é à mãe que resta a tarefa de visitar o "sociopata inatingível" que ela gerou, numa casa de correção para menores. Orgulhoso da fama de bandido notório, ele não a recebe bem de início, mas ela insiste nos encontros quinzenais. Por meio de Eva, Lionel Shriver quebra o silêncio que costuma se impor após esse tipo de drama e expõe o indizível sobre as frágeis nuances das relações entre pais e filhos num romance irretocável. 

Entendo Harry Potter como uma obra que extrapola as barreiras da mera literatura fantástica infanto-juvenil, um livro que discorre sobre vida, morte, bem, mal e detentor de uma profunda camada psico-filosófica encoberta por uma simplicidade enganosa.


Nesse contexto, sempre me fascinou explorar o lado B dos personagens, compartilhar de seus dramas e seus dilemas e vasculhar o passado de cada um como forma de provar que cada indivíduo envolvido na história é produto de um meio que, positiva ou negativamente, contribuiu em demasia para formação de um caráter desviado ou não.

Por isso, talvez, “Enigma do Príncipe” seja o segundo livro na lista dos que mais gosto na série (o primeiro é “O Cálice de Fogo). A forma como a autora “desconstruiu” e desmistificou o vilão, temido por todos, a um simples ser humano solitário me fascinou. Pela primeira vez cai a máscara do Lord das Trevas, uma figura que incita medo, para dar lugar a Tom, um jovem moralmente fraco, abandonado e que se vale de maldade para suprir sua carência inconsolável de afeto.

O mesmo acontece com Severo Snape, mas não pretendo me demorar muito nesse personagem em especial, visto que já preparei uma Caricatura sobre ele que vocês poderão ler em breve.

De certa forma, as mentes doentias do mundo potteriano são interrogações para quase todos. É necessário compreender conceitos em psicologia e sociologia, avaliar o desvio de cada um, para finalmente chegar-mos a um perfil que, ao menos até agora, considero dissimulado.

Foi na busca por obras que versassem sobre assunto que encontrei um livro interessante: “Precisamos falar sobre o Kevin” da americana Lionel Shriver.

“Precisamos falar sobre o Kevin” é um retrato de uma família americana “modelo”, onde nada é o que parece ser. Uma superficialidade tomada por alguns como comum na sociedade americana é responsável por destruir a vida de muitas famílias, inclusive da narradora, Eva.

Kevin Khatchadourian, ou KK, é um jovem que aos 16 anos realizou um massacre na sua escola responsável pela morte de sete colegas, uma professora e um servente, além de duas outras pessoas da qual não posso falar por constituírem a verdadeira surpresa no final do livro.

Eva, sua mãe, escreve cartas ao ex-marido e pai de Kevin, Franklin, e conforme vai desenrolando toda a trama, assume uma posição de quero-saber-onde-eu-errei. No entanto, a obra não se resume na tentativa pela busca dos responsáveis por uma pessoa tão cruel, mas sim em confissão da parcela de culpa por parte da mãe.

Não se trata, portanto, de algo que se possa ler em um dia e esquecer no outro. Shriver vai além do óbvio: constrói um enredo perturbador que, por vezes, desperta no leitor um ímpeto em abandonar a leitura tamanha a repulsa não só por Kevin, mas também por Eva.

A cada carta, Eva relata a história do seu filho que, por conseqüência, se entrelaça com a sua própria. Narra os medos quando recém-casada, a angústias, uma gravidez indiretamente indesejada, um nascimento penoso e o desenvolvimento de uma criança que dá, ao longo de sua infância, todas as pistas de uma mente doentia.

Ao contrário de Tom, Kevin não tortura com atos e sim com gestos, olhares e palavras, ou seja, a sua tortura é sentimental. Desde a recusa a ser amamentado pela mãe, até o aparente fingimento quando bebê, passando por um vocabulário moldado às bases do “num gosta”, a maldade em cada falsa lágrima derramada e a crueldade por detrás da coleção de vírus de computador e aulas de arco-e-flecha, Kevin é o que se possa nomear de assassino em formação.

A cada parágrafo, Eva assume a culpa e deixa de lado a pose de “mãe sofredora” para assumir o fato de que ela tem sim uma parcela de contribuição na formação do primogênito. Ela, por sua vez, é egoísta, egocêntrica e em algumas ocasiões, até malvada.

A forma como Eva Khatchadourian descreve friamente os diálogos com o filho quando este último não sabia nem andar é repugnante. Em uma passagem, ela diz para a criança: “[...] você tanto berrou e vomitou que ela se foi. Qual é o problema com você, seu merdinha? Está satisfeito, agora que arruinou a vida da mamãe? Você pode até poder ter enganado o papai, mas a mamãe sabe muito bem qual é a sua. Você é um merdinha, não é? [...] A mamãe era feliz antes que o Kevin mijão viesse ao mundo, você sabia disso? E agora a mamãe acorda todos os dias querendo estar na França. A vida da mamãe agora é uma droga [...] Você sabia que em certos dias a mamãe preferia estar morta [...] para não escutar você guinchar nem mais um minuto, tem dias em que mamãe gostaria de se jogar da Ponte do Brookyn...”. Contudo, não exclui-se aí o fato de Kevin já nascer com uma péssima índole e uma inteligência usada para práticas condenáveis.

Quando se chega ao final do livro, no qual Eva finalmente narra com detalhes tudo o que aconteceu na quinta-feira, a vontade de quem está lendo é jogar o livro pela janela para nunca mais ter de encarar aqueles olhos terríveis da capa.

Impossível não destacar aqui as semelhanças e as diferenças entre Voldemort e KK. Para ambos, a crueldade é apenas uma ferramenta para conseguir seu objetivo. No entanto, Kevin a sua como prazer enquanto o vilão da nossa saga só a considera como mais uma etapa na purificação da sociedade bruxa.

Mais uma vez, fico me perguntando: seres diabólicos, conforme demonstra Lionel, nascem assim? Eu desafio você a ler. “Precisamos falar sobre o Kevin” até o final e tirar suas próprias conclusões.


Livro: Precisamos Falar Sobre o Kevin
Autora: Lionel Shriver
Editora: Intrínseca
- Resenha escrita por: Igor Silva 

15 comentários:

  1. Ótima resenha, parabéns, deu até vontade de ler o livro!

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  2. É a primeira resenha que eu leio sobre o livro e fiquei intrigada... Os vilões da maioria dos livros e filmes são os personagens menos desenvolvidos da história, apenas sabemos que eles são ruinzinhos e nunca exatamente o motivo e as circunstâncias por detrás da ruindade. Espero ter a oportunidade de ler esse livro!

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  3. O.O

    Fiquei com nojo do livro só de ler essa resenha, talvez eu compre até, fiquei curioso quanto a... "Quinta feira"

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  4. Se eu ja tinha vontade de ler o livro , agora então .. NÃO VEJO A HORA ! É o tipo de livro que me chama a atenção .. Parabéns pela resenha , ficou ótima ! orgulho , haha :)

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  5. Realmente MUITO boa a resenha, não só por simples puxa-saquismo, mas ficou boa mesmo. Fiquei intrigada e com vontade de ler o livro (e não é em nada um livro do meu estilo). Se a resenha já mexe com agente, imagine só o livro. Parabéns Igor!

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  6. Já li esse livro e é impactante. Só o que posso dizer é que sua vida não será mais a mesma depois que você conhecer KK. Ele é cruel, frio, insensível, seco, intrigante...
    Bom, amei a resenha! Continua no blog que eu continuo seguindo! #atoron

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  7. Ok, não sei se vai dar certo começar a seguir esse blog... Acho que vou empobrecer e diminuir meu CR! O Igor conseguiria me convencer a comprar até aqueles livros com figuras de bichinhos para crianças de 1-3 anos...

    Quanto a esse livro em especial, vou ter que ler... não tem como,vou ter que arrumar tempo pra ele! Me encantam os psicopatas (de longe, claro) ainda mais quando mostrados desde sua infância.

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  8. Ah, fascinou-me também! Preciso ler! Mentalidades psicóticas analisadas a fundo são o que há!
    Já o pus em minha lista!

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  9. Nossa, adorei essa resenha. Desde que vi a capa e a sinopse do livro em uma dessas propagandas que vem com outros livros, fiquei curiosa para ler. Mas sempre apareceu outro livro que me deixava ansiosamente necessitada haha. Sua resenha me convenceu, com certeza ninguém vai passar na frente de "Precisamos falar sobre o Kevin" agora.

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  10. Ah não sei se leria... Mas achei a historia interessante.

    A resenha ficou muito boa. =D

    teh mais

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  11. Acabei de ler o livro e estou fascinado com o desenvolver da história. Todo aquele prelúdio antes do nascimento se faz necessário para compreender os sentimentos da mãe em relação ao filho.
    Durante a leitura achei que já sabia como o livro ia acabar... mas a autora consegue ir ainda mais longe! O final é aterrador!

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  12. Esse livro é sensacional.. Ótima resenha.!
    "Não se trata, portanto, de algo que se possa ler em um dia e esquecer no outro." É exatamente isso.

    Eu também não conseguia parar de pensar na história e escrevi uma resenha para exorcisar, funcionou parcialmente..

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  13. Eu vi esse livro até mesmo no skoob e fiquei muito intrigada por causa da capa!

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  14. Nossa vc realmente sabe fazer uma resenha crítica do livro, ficou perfeito, parabéns, já estou seguindo o blog e o canal no youtube!

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